Você sabia que o pai da psicanálise estudava o horror?
Há mais de 100 anos, Sigmund Freud, o pai da psicanálise publicou um longo ensaio “Das unheimliche”. No texto, Freud reflete sobre o que sentimos diante das narrativas de horror. Um tema que também atraiu outros pensadores como: Aristóteles, Santo Agostinho, Thomas Hobbes, Martin Heidegger. Mas antes de falar sobre o alemão, vamos falar sobre o gênero horror.
O que é horror?
Basicamente, o horror causa uma sensação de pânico, medo e outros sentimentos ou emoções de pavor ao longo da leitura.
Já nas características, pode-se dizer que o horror é um tipo de convocação horripilante. Ou seja, seja real ou não, a obra pode ter de tudo, desde o sobrenatural até as situações de massacres e guerras. Assim como nos primeiros anos, as obras de horror foram ganhando novos personagens e possibilidades ao longo do século.
Quer saber mais? Leia o post completo sobre horror e suas características.
O que Freud diz sobre o horror?
Na obra, Freud reflete o medo de situações cotidianas mas que geram processos mentais profundos. E essa análise, como grande parte dos estudos do alemão, tem base em elementos ligados à sexualidade.
Na visão de Freud, o medo é desencadeado pela ameaça de castração e pelos desejos reprimidos. Para ele, a realidade psíquica seria tanto a fonte de estranheza, mas a causa dos principais elementos causadores de nossos temores.
Resumindo, o autor explica que nossa mente está sempre fazendo escolhas sobre o que manter ou não em nosso consciente. Algumas questões são tão incômodas que acabamos por reprimi-las da nossa consciência. Assim, transformamos o conhecido em desconhecido. Quando lemos um texto que deixe lacunas, nossa mente logo as preenche com aquilo que imagina ser mais apavorante: os traumas que escondemos de nós mesmos.
As palavras do horror na obra de Freud e seus significados
Freud usou diferentes termos em alemão para se referir ao horror e seus matizes, como Furcht (medo), Schreck (susto), Scheu (timidez) e Grauen/Grausen (horror). Cada termo tem uma etimologia, uma conotação e uma contextualização teórica específica na obra de Freud, levando em conta suas diferentes traduções para o português. Veja a seguir um breve resumo de cada termo:
Furcht
significa medo, temor ou receio. É um termo que Freud usou para se referir ao medo de um perigo externo ou real, que pode ser evitado ou enfrentado. Furcht está relacionado com o conceito de angústia sinal, que é a reação do ego diante de uma situação de perigo que ameaça a sua integridade. Furcht também pode estar associado ao complexo de castração, que é o medo da perda do órgão sexual ou de sua função.
Schreck
significa susto, choque ou pavor. É um termo que Freud usou para se referir ao medo de um perigo interno ou irreal, que não pode ser previsto ou controlado. Schreck está relacionado com o conceito de angústia automática, que é a reação do ego diante de uma situação de perigo que o sobrecarrega e o paralisa. Schreck também pode estar associado ao trauma psíquico, que é a experiência de um acontecimento violento e inesperado que provoca um rompimento na continuidade psíquica.
Scheu
significa timidez, vergonha ou pudor. É um termo que Freud usou para se referir ao medo de uma situação social ou moral, que pode gerar constrangimento ou desaprovação. Scheu está relacionado com o conceito de ideal do ego, que é a instância psíquica que representa as exigências da sociedade e da cultura sobre o indivíduo. Scheu também pode estar associado à repressão, que é o mecanismo psíquico pelo qual o ego afasta da consciência os conteúdos indesejáveis ou incompatíveis com o ideal do ego.
Grauen/Grausen
significa horror, repulsa ou aversão. É um termo que Freud usou para se referir ao sentimento de horror diante do estranho (unheimliche), que é aquilo que é familiar e ao mesmo tempo desconhecido, que causa uma sensação de inquietação e repulsa. Grauen/Grausen está relacionado com o conceito de retorno do recalcado, que é o fenômeno pelo qual os conteúdos reprimidos voltam à consciência sob formas distorcidas ou disfarçadas, como nos sonhos, nos atos falhos ou nas alucinações. Grauen/Grausen também pode estar associado ao mal-estar na civilização, que é a insatisfação e o sofrimento causados pela impossibilidade de conciliar os impulsos individuais com as normas coletivas.
As imagens do horror na obra de Freud e seus efeitos
Freud recorreu a diversas imagens para ilustrar ou sugerir o horror em seus textos, como as figuras mitológicas, as obras de arte, as cenas clínicas ou os sonhos. Essas imagens têm uma função própria na obra de Freud, além de meramente ilustrativas, pois engendram uma reflexão sobre o tema proposto, que não se expõe em forma de texto, mas na forma de um mosaico visual. Veja alguns exemplos de como Freud usou as imagens do horror em seus textos:
As figuras mitológicas
Freud recorreu a diversos mitos gregos para explicar ou exemplificar alguns conceitos ou fenômenos psicanalíticos, como o complexo de Édipo, a castração simbólica, o narcisismo, a histeria, etc. Esses mitos muitas vezes envolvem situações de horror, como o assassinato do pai, o incesto com a mãe, a mutilação do corpo, a transformação em monstro, etc. Um exemplo é o mito da Medusa, que Freud usou para ilustrar o horror diante da castração e do feminino. Freud se referiu à cabeça da Medusa como um símbolo de horror que petrifica quem a olha.
As obras de arte
Freud também recorreu a diversas obras de arte para analisar ou inspirar suas reflexões sobre o horror e o estranho. Ele se interessou por obras literárias e artísticas que provocam esse sentimento no leitor ou no espectador, como O Homem de Areia, de E.T.A. Hoffmann, ou A Cabeça da Medusa, de Leonardo da Vinci. Ele também se baseou em obras que retratam cenas de horror ou que expressam sua própria angústia diante da morte e da guerra, como O Grito, de Edvard Munch, ou Totem e Tabu, de James Ensor.
As cenas clínicas
Freud também recorreu a diversas cenas clínicas para demonstrar ou ilustrar o horror que emerge na relação entre o analista e o analisando. Ele descreveu casos em que o horror se manifesta em palavras, gestos ou imagens que revelam os conflitos inconscientes, os traumas reprimidos ou as fantasias sexuais dos pacientes. Um exemplo é o caso do Homem dos Lobos, em que Freud interpretou o sonho do paciente em que ele via uma janela com seis lobos brancos que o olhavam fixamente. Freud relacionou esse sonho com o horror diante da cena primária e da castração.
Os sonhos
Freud também recorreu a diversos sonhos para investigar ou exemplificar o horror que emerge no inconsciente. Ele considerou os sonhos como uma via de acesso aos desejos reprimidos, aos medos infantis e aos traumas esquecidos. Ele também analisou seus próprios sonhos e os relacionou com suas experiências pessoais e profissionais. Um exemplo é o sonho da injeção de Irma, em que Freud sonhou que aplicava uma injeção em uma paciente que sofria de histeria e que depois apresentava sintomas horríveis. Freud relacionou esse sonho com sua culpa e sua ansiedade diante da responsabilidade de curar seus pacientes.
Algumas obras que transmitem a sensação de horror descrita por Freud:
- Caixa de Pássaros (livro de Josh Malerman)
- Um Lugar Silencioso (filme dirigido por John Krazinski)
- Nós Sempre Vivemos no Castelo (livro de Shirley Jackson)
- O Babadook (filme de Jennifer Kent)
- It: A Coisa (livro de Stephen King)
- A Bruxa de Blair (filme de Eduardo Sanchez e Daniel Myrik)
- Nós (filme de Jordan Peele)
- O Iluminado (filme de Stanley Kubrick)
- O Bebê de Rosemary (filme de Roman Polanski)
- O Exorcista (livro de William Peter Blatty)
- O Poço e o Pêndulo (conto de Edgar Allan Poe)
- Coraline (novela de Neil Gaiman)
- Hereditário (filme de Ari Aster)
Freud ajudou a entender o que você sente com uma obra de horror? Me conta nos comentários qual é a produção audiovisual ou literária do gênero que mais mexeu com você.